Prédio histórico da Sefaz é restaurado e símbolos antigos do CE são descobertos; veja imagens | Diário do Nordeste

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on telegram
Share on whatsapp
Share on email

Notícia publicada no site Diário do Nordeste, no dia 06/10/2022

 

Um patrimônio histórico coberto por tinta cinza há mais de quatro décadas volta a aparecer durante a obra de restauro no prédio da Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), de 1927. Como na limpeza de um livro empoeirado, símbolos da história cearense surgem com lições sobre o passado econômico e social do Estado.

Na fachada, peças artísticas como carrancas (escultura com forma humana) e leões, um brasão de 1897 e uma figura indígena já foram reveladas. Do lado de dentro, parte dos funcionários agora trabalha sob um piso luxuoso escondido por camadas de borracha.

“A restauração possibilita descortinar as coisas, investigar e ter uma compreensão do presente à luz do passado”, resume o arquiteto Frederico de Sousa Barros, responsável pela obra que já ilumina a paisagem da Avenida Alberto Nepomuceno, no Centro.

Foi investido cerca de R$ 1,5 milhão em todo o processo de análise e recuperação da estrutura. A obra teve início no primeiro semestre de 2022, mas sofreu atrasos devido à pandemia e deve ser concluída em novembro.

Até lá, Frederico observa com o olhar fixo, ampliado pelas lentes de uma experiência superior a 30 anos em restauro, o prédio voltar a sua forma original. Além da pintura, grades e janelas são readequadas.

As peças de arte, inclusive, ganham um cuidado especial. “Nós fizemos um mapa de danos, que identificou o estado de conservação do chão até o ponto mais alto da torrinha, incluindo as escadas de ferro e madeira e os vidros que estavam parcialmente danificados”, explica.

COR ORIGINAL E PEÇAS ARTÍSTICAS

O prédio foi planejado por José Gonçalves da Justa num exemplo de arquitetura eclética, que une estilos diversos para a criação de uma linguagem usada a partir do final do século XIX. Os itens artísticos da fachada, no entanto, foram apagados pela tinta cinza.

A equipe realizou, então, um processo de raspagem das paredes para encontrar os tons já utilizados durante os 95 anos da edificação. As modificações no prédio exigem análises técnicas pela proteção dada pelo tombo estadual, feito em 1968.

“Nós identificamos as cores, uma sequência de cinza, até chegar ao tom de rosa e dois tons de amarelo, que é o original. Toda vida que eu conto essa história, me arrepio: eu fiquei pensando ‘caraca, vai mudar tudo’”, lembra.

Especialistas em arquitetura e história foram reunidos para aprovar a mudança na paisagem da avenida. Os restauradores montaram um exemplo de como a pintura ficaria no prédio para mostrar aos avaliadores.

“Eu fiz um teste cromático, com duas janelas e elementos decorativos. Quando chegaram aqui, não tinha como negar (a autorização), porque também é bonito. É bonito, não tem como não reconhecer isso”, conclui.

Com o avançar do restauro, outra autorização precisou ser solicitada porque, além de devolver os traços apagados por tinta, o restaurador descobriu a cor original das peças artísticas. 

“Começamos a tirar a tinta e uma camada se descolou totalmente da peça e apareceu o olho preto, os tons de pele, o nariz… É emocionante para quem trabalha com isso”, descreve Frederico.

A autorização, aliás, veio num telefonema durante a entrevista para a reportagem. Agora, as peças devem começar a receber as variações de cores conforme o projeto original.
 
BRASÃO
 
Acima da entrada do prédio, num ponto central, um brasão antigo do Estado volta a ficar estampado. Mas, diferente do mapa atual com 184 cidades, naquela época o símbolo estadual representou os municípios da época em 82 estrelas.

O brasão foi encontrado deteriorado, mas as formas deixam evidentes a imagem do Ceará na época retratada pelo sol, mar, serras, o Farol do Mucuripe, coqueiro e uma ave. A escala correta de cores vai devolver o valor artístico da peça. 

“O brasão do Estado que está aqui na frente do edifício é de 1897 até 1961. Depois disso, surge uma lei que modifica (o símbolo), trazendo alguns elementos, em 2004 foi atualizado”, explica.

INDÍGENA

Entre os elementos decorativos, o restauro da fachada revelou uma forma indígena com cocar e ornamentos culturais. O retrato aparece numa posição de destaque e em meio às imagens europeias das carrancas.

“Fico me perguntando o que passou na cabeça do Gonçalves da Justa em introduzir esse elemento. O que ele quis dialogar com a sociedade mostrando um índio na fachada da instituição que arrecada (dinheiro) para o Estado?”, questiona.

PISO, VITRÔ E FORRO

Com a movimentação para o restauro, os trabalhadores descobriram que o piso original em salas do pavimento superior estava preservado por baixo de uma espécie de borracha.

As equipes fizeram a remoção da cobertura e a limpeza do piso. Da mesma forma, um forro de madeira original foi encontrado.

Além disso, quem entra no prédio histórico tem os olhos direcionados para o protagonista da parte térrea do espaço: um vitrô instalado desde a inauguração. Símbolos do algodão, café e riquezas naturais estampam a história do Ceará.

“O vitrô conta a história da formação do Estado e do desenvolvimento econômico: tem a locomotiva, que passava aqui do lado e trazia riquezas. É muito emblemático, acho que tem uma força maior do que o brasão, porque conta com mais detalhes”, avalia Frederico.

A peça foi restaurada em 1997 por estar danificada e com vidros quebrados. Uma nova readequação do vitrô foi feita em 2021 – ano em que foi reinaugurado o Centro de Memória da Fazenda, que reúne um acervo de peças históricas.

HISTÓRIAS CONTADAS PELO PRÉDIO

A Secretaria da Fazenda passou por outros lugares da cidade até chegar naquele espaço onde há uma visão estratégica do mar. Isso porque lá as embarcações eram monitoradas para a cobrança de impostos.

Uma situação recorrente naquela época repercute ainda hoje entre os servidores da Sefaz. Os causos são sobre fiscais da época que ficavam posicionados na torre do prédio e corriam pelas escadas para chegar até a praia, ao lado do prédio, para garantir a cobrança.

“O prédio foi criado nessa região com a finalidade estratégica para fiscalizar tudo que chegava ao porto de Fortaleza, que vinham de fora ou do interior e iam ser encaminhadas”, conta Thayane Lopes Oliveira, coordenadora educativa do Centro de Memória da Fazenda.

O local recebe visitas espontâneas, grupos escolares, universitários e pesquisadores. “Nós discutimos aspectos da educação fiscal, mas há também a possibilidade de discutir a história do Ceará”, frisa.

Esse processo de restauro é fundamental, porque é uma valorização do nosso patrimônio, conseguimos utilizar isso nas mediações, contar a história da Sefaz no próprio prédio.

O acervo é formado por fotos, objetos, o mobiliário utilizado no cotidiano da Secretaria e de mídias coletadas ao longo da existência. 

THAYANE LOPES OLIVEIRA
Coord. educativa do Centro de Memória da Fazenda
“Esse material conta a história do Ceará, porque temos documentos importantes. Recentemente, descobrimos uma carta escrita pelo José Martiniano de Alencar, que tem uma importância histórica para o Brasil”, completa Thayane.
 
QUAL O POTENCIAL DA MEMÓRIA?
 
“Por que a memória é tão importante? A memória nos permite não reinventar a roda todo o dia. Eu me valho do percurso histórico e vou crescendo, evoluindo, educando e fazendo com que as pessoas compreendam o que é compartilhar”, descreve Frederico.
 

O restaurador foi um adolescente interessado na formação em belas artes e encontrou o caminho profissional na arquitetura. Após a formação no Ceará, foi para Minas Gerais, onde atuou em uma das principais edificações históricas do País: a Igreja de São Francisco de Assis.

“Em novembro de 1986, eu fui convidado pela coordenadora do meu curso para trabalhar na restauração da obra do Manuel da Costa Athayde, que é um referencial na história da arte do Brasil e do barroco mineiro”, lembra.

De volta ao Ceará, atuou no restauro da tela da Igreja do Carmo, do vitrô instalado na Sefaz, da escultura das sereias na praça da Justiça Federal, das estátuas do Passeio Público e no diagnóstico do mapa de danos da Estação das Artes.

“A restauração é um trabalho que você entrega para a comunidade e não assina, não coloca marca ou vaidade”, avalia sobre o próprio trabalho.

Em meio a salas administrativas, onde processos burocráticos são realizados ao longo do dia, os aspectos históricos são preservados. 

“Estamos num prédio pintado tradicionalmente e, inclusive, o preço da pintura é mais baixo, mas não é adequado para o prédio que a gente está. Esse é o primeiro feito com concreto armado, quase centenário e onde temos um vitral e uma escadaria original”, pondera Fernanda Pacobahyba, titular da Sefaz.

O “olhar a mais”, como descreve, é para a busca das raízes do cearense e do processo democrático. 

“Não tínhamos ideia do que a gente ia achar e foi um susto quando soubemos que o prédio tinha esse tom rosado”, conta.

“Estamos num tempo de muita transformação e vivemos num tempo do descartável. Seria muito simples abandonar o prédio e dar outra destinação, mas estamos num processo de reconhecimento do que nos serve e o que não nos serve mais” 

FERNANDA PACOBAHYBA
Titular da Sefaz
O restauro e o Centro de Memória acabam por aproximar a população dos espaços de Poder, como avalia. “Os fiscos no Brasil são estruturas elitizadas e nós estamos no processo de (formar uma imagem de) menos autoridade fiscal e muito mais no papel de servidor público”, conclui sobre o único espaço cultural que desenvolve a educação fiscal no País.